quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Comédia esvazia cena dramática de 'Amor à vida'

Vanessa Giácomo e Susana Vieira em cena de 'Amor à vida' (Foto: Divulgação/TV Globo)VANESSA GIÁCOMO E SUSANA VIEIRA EM CENA DE 'AMOR À VIDA' (FOTO: DIVULGAÇÃO/TV GLOBO)
Anteontem em “Amor à vida” foi ao ar finalmente a cena em que Pilar (Susana Vieira) descobriu que César (Antonio Fagundes) a está traindo com a secretária, Aline (Vanessa Giácomo). Sequências como essas costumam ser preparadas pelos autores com muita antecedência. Se não for assim, podem perder a força. Mais que isso: as novelas das 21h, com suas centenas de capítulos, vivem para esses momentos. É preciso construir e cultivar a torcida do público todas as noites até o seu paroxismo. Quando chega a hora da vendeta, o parti pris do espectador já é um fato consumado. Ele está quase engajado na surra pessoalmente. É uma questão de partir para o abraço. A audiência sobe a cada tapa, é batata.
Essas viradas de jogo podem se expressar até com mais sutileza, sem muque. Lembremos um exemplo recente, em “Avenida Brasil”. Quando Nina (Débora Falabella) finalmente desmascarou Carminha (Adriana Esteves), João Emanuel Carneiro eternizou a frase: “Me serve, vadia!”. Ela soou, convenhamos, tão dolorosa para a derrotada quanto um contragolpe de direita de Mike Tyson.
Gloria Perez lançou mão desse recurso inúmeras vezes em “Salve Jorge”. Vimos mulheres arrancando cabelos umas das outras, gritaria, tapas, socos e muitas seringadas. A novela fechou com uma homenagem à lei do Talião — a do olho por olho, dente por dente — com seu arquivilão, Russo (Adriano Garib), apanhando de todos.
Cenas como a de anteontem em “Amor à vida” são previsíveis e, ainda assim, o público aguarda ansiosamente por elas. É como no teatro infantil, quando a plateia enxerga a bruxa, que, no entanto, passa despercebida pelo mocinho. Não é, portanto, a surpresa do fato e sim a intensidade da colisão que dirá se a alma foi mesmo lavada.
Porém, um abismo na chave das interpretações impediu que isso acontecesse no cenário do flat. Fagundes e Vanessa embarcaram no drama. César era o próprio marido pego de calças curtas, abatido por ter sido desmascarado, constrangido com o embate entre as duas. Vanessa, uma atriz que de fria não tem nada, acertou em cheio na oscilação entre a (a princípio) aparente ingenuidade, e (em seguida) a agressividade de quem tem algo engasgado há muito tempo.
Já Susana, profissional experiente e muito bem nesse papel, ficou presa à nota cômica das frases de Félix que pontuaram a sequência inteira. Falas como: “Eu entendo de sapatos, Papi, não eram de liquidação. Isso sem falar no carro zero. Modelo de último tipo, muito acima do padrão de uma secretária”, acompanhadas de trejeitos satíricos, esvaziaram a tensão que o momento demandava. O impossível diálogo entre as duas linhas de representação provocou um resultado estranho. Cada dupla de atores parecia estar em um palco diferente e distante.
É preciso lembrar que drama e comédia eram exigências do texto dessa cena. “Amor à vida” vem conjugando bem essas duas linguagens. Dessa vez, não funcionou.
O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário